‘Violência doméstica’, nos termos do artigo 3.º da Convenção de Istambul, abrange todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges ou ex-cônjuges, ou entre companheiros ou “ex-companheiros”, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima. Por sua vez, ‘vítima’ será qualquer pessoa singular que seja sujeita a estes comportamentos (Cfr. as alíneas b) e c) do artigo 3.º da Convenção, sendo o Brasil signatário pelo Decreto n. 563, de 16 de agosto de 2010).
De forma mais abrangente, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) conceitua violência doméstica e familiar como toda ação ou omissão baseada no gênero que atente conta sua integridade física, psicológica, moral, sexual, ou patrimonial, desde que praticado no âmbito familiar, na unidade doméstica (residência fixa) ou em qualquer relação íntima de afeto.
Sobre esta última, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou estendendo a aplicação da Lei Maria da Penha a ex namorados, ex noivos e, recentemente, tem se entendido pela aplicação da norma à relação entre amigos também, como exemplo aqueles que dividem a residência ou que mantém um relacionamento íntimo não necessariamente amoroso, não somente a relacionamentos entre cônjuges, namorados, noivos e até mesmo familiares (pais e filhos, tios e sobrinhos).
A psicóloga norte americana Lenore Walker, ao estudar sobre este tema, percebeu que a violência doméstica ocorre de forma cíclica, passando pelas seguintes etapas:
- Evolução da tensão: é o momento onde o agressor se mostra irritado, impaciente e realiza diversas ameaças. É comum que ele impeça a vítima de conversar com amigos e familiares sob a justificativa de que eles estariam atrapalhando o relacionamento. Em razão do afastamento a vítima se sente solitária e desamparada.
- Evolução/Incidente da agressão: é nesse estágio que a violência se materializa, seja ela na forma verbal, moral, psicológica, sexual e até mesmo patrimonial. A vítima que foi completamente afastada de qualquer rede de apoio sente-se completamente vulnerável e entra em estado de negação, crente de que não está passando por tal situação. Em razão disto, deixa de buscar auxílio;
- Lua de Mel: normalmente após a agressão a vítima se afasta do agressor que se apresenta como arrependido, pede desculpas, promete mudança a fim de reconquistar a sua confiança. Não se engane, isto é apenas uma fase, após a reconquista possivelmente ocorrerá um novo episódio.
O mais alarmante é que quanto mais o ciclo se repete mais intensas são as agressões, podendo levar até ao feminicídio (assassinato em razão do gênero), é importante entender como ele acontece e se conscientizar de que há uma saída e você pode buscar ajuda.
Seguem sinais que permitem que você identifique se está em um relacionamento abusivo e, portanto, interrompa o ciclo de vitimização em que se encontra inserida:
Uma das maiores dificuldades das vítimas de violência de gênero é a identificação dos sinais de relacionamento abusivo, por não identificarem que estão em um relacionamento abusivo acreditam ser normal algumas práticas violentas.
Caracteriza-se como relacionamento abusivo toda e qualquer relação que silencie as suas vontades, desejos ou personalidade ou que haja prática reiterada de humilhações ou qualquer outro tipo de violência aqui apontada. Pode ser um relacionamento amoroso, familiar, entre amigos.
Nesse ponto, necessário destacar a importância da escuta à pessoas próximas que querem o seu bem como amigos de longa data ou familiares, pois é comum que essas pessoas sinalizem para a vítima que há algo de errado, mas esta os ignora.
Apontamos aqui alguns sinais que podem auxiliá-la nesse diagnóstico:
1. Controle
A manipulação que almeja o abusador pode estar contida em uma simples frase. Isso interfere na sua esfera pessoal – no que pode ou não fazer. Exemplos clássicos se referem a escolha de roupas e atividades com o subterfúgio de “eu sei o que é melhor para você”. Pode ter a aparência de cuidado – mas não é!
Na progressão em busca do controle e anulação da identidade de seu parceiro a privacidade é um dos principais alvos do abusador. A invasão da privacidade quase sempre possui pretextos amorosos e tem como focos principais mensagens do celular, redes sociais e e-mails. A invasão pode ser realizada de forma sutil ou ostensiva. Fique atenta a esses sinais para saber como reconhecer um relacionamento abusivo.
2. Afastamento de outras pessoas
“Aquela sua amiga não é um bom exemplo para você, não ande mais com ela. Não quero que as pessoas pensem que você é como ela”.
“Não gostei da forma como aquele seu amigo te olha, não quero que você ande mais com ele”.
Esses exemplos são sinais de um relacionamento abusivo. Disfarçado de preocupação, o abusador somente quer afastar os demais da parceira e concentrar nele todas as necessidades emocionais e sociais.
O objetivo é que a parceira passe a depender somente do abusador. Dessa forma, ele terá exclusividade e conseguirá assegurar que a parceira realize aquilo que deseja. Logo, é uma forma cruel de manipulação, pois envenena relacionamentos saudáveis com outras pessoas para obter controle total.
3. Diminui a parceira
Nesse caso, o abusador não consegue ver a pessoa passando por um bom momento. Para ele, nada será o suficiente e não ficará impressionado com as grandes conquistas do parceiro.
Aliás, o abusador precisa diminuir o outro para ter a sensação de superioridade no relacionamento, seja no âmbito privado ou até mesmo zombando na frente de outras pessoas. O foco do abusador é diminuir a autoestima para que a pessoa não seja capaz de tomar as próprias decisões.
Nesse sentido, faz o parceiro pensar que não é nada sem ele e que o relacionamento é a única forma de se sentir bem e protegido. Dessa forma, se enraíza a crença de que a pessoa só estará bem se estiver ao lado do abusador.
4. Jogos emocionais
A chantagem emocional revela o relacionamento abusivo. Portanto, o parceiro abusivo joga a responsabilidade da culpa para o outro. Sendo assim, pretende, através disso, que a pessoa se sinta mal com ela mesma e reconheça os erros, mesmo quando não existem.
Os jogos emocionais servem para demonstrar a balança de poder dentro do relacionamento. Então, podem ocorrer privações, como de sexo e intimidade, ou até mesmo um afastamento e silêncio para que o outro faça aquilo que deseja. Fique atento para identificar esses elementos, pois assim, você conseguirá saber como se livrar de um relacionamento abusivo.
5. Agressão e violência
O agressor bate no parceiro. Entretanto, diz ele, que estava descontrolado. Promete que nunca mais fará aquilo de novo. Ele faz juras de amor e não consegue imaginar viver no mundo sem o outro.
Infelizmente, esse exemplo é mais comum do que imaginamos e representa um relacionamento abusivo. O agressor não estava descontrolado. Houve uma agressão, aliás, várias, pois o fato se repete diversas vezes, se tornando um ciclo.
O arrependimento e as promessas são manipulações para manter o relacionamento. Violência é violência. É perigoso manter o convívio com alguém que agride o parceiro, tanto psicologicamente, como fisicamente. É importante compreender esses aspectos para poder saber identificar e sair da relação tóxica.
Como sair de um relacionamento abusivo?
É extremamente difícil sair de um relacionamento abusivo. O abusador tem a capacidade de envolver a vítima emocionalmente e torná-la paralisada diante das situações, com medo, e dependência emocional da relação.
Contudo, são diversas questões emocionais que fazem parte tanto da história da vítima, quanto do próprio abusador. Logo, se você se identificou com os sinais, a melhor forma de tratar essas questões e criar mecanismos sólidos de enfrentamento do problema é realizando a terapia.
Conversar com amigos e familiares pode ajudar. Ao contrário do que o abusador quer que você acredito, você precisa fortalecer sua rede de apoio (amigos e familiares). Pode procurar ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e, caso deseje por um fim no relacionamento sempre recomendável que se consulte com um advogado ou defensor público.
O caminho para se desvencilhar de uma relação tóxica não tem que ser um fardo. Busque ajuda!
Uma das formas mais comuns de violência doméstica e familiar contra a mulher é a violência conjugal.
A violência conjugal decorre da ideia de que o homem é o chefe da sociedade conjugal. A Constituição de 1988 prevê que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. A sociedade e os poderes públicos devem zelar para que a norma constitucional seja aplicada, afastando estereótipos de gênero.
A falsa percepção fruto de séculos de desigualdade de que o homem é o detentor do poder familiar faz com que homens vejam as suas esposas como meros objetos em suas vidas, podendo utilizá-las da forma que bem entender. Muitas vezes familiares e amigos deixam de atuar como rede de apoio a vítima por acreditarem nessa suposta hierarquia entre homens e mulheres na relação conjugal. Essa suposta legitimação “natural” da sociedade à violências praticadas dentro dos relacionamentos, principalmente do casamento, dá azo a diversos tipos de violência contra a mulher, como por exemplo, o estupro marital.
Mulheres são ensinadas a serem passivas, omissas e estarem sempre à disposição dos companheiros para satisfazer as suas vontades, mas isso não é real!
Apenas para citar uma espécie de violência conjugal podemos mencionar o estupro marital. Segundo a OMS uma em cada três mulheres americanas sofrem ou sofreram violência física e/ou sexual por parceiro íntimo, sendo esta a forma mais comum de violência contra a mulher.
Apesar da ideia de que a mulher tem que estar sempre sexualmente disponível dentro do casamento estar arraigada ao nosso sistema patriarcal, é importante dizer que é uma inverdade. Mesmo dentro de um relacionamento seja ele namoro, noivado, união estável ou casamento para a ocorrência de uma relação sexual é necessário o aceite expresso da parceira, caso contrário caracteriza-se como estupro!
Quando o estupro ocorre nestas condições ele é chamado de estupro marital.
Busque ajuda. Aqui você encontra uma lista de serviços que podem ajudá-la.
Qualquer pessoa pode levar ao conhecimento das autoridades uma situação de violência e pedir providências. Pela lei em briga de marido e mulher, você salva a mulher. Denuncie! Exerça a sua cidadania de forma plena e ajude àqueles que não podem ou não conseguem pedir ajuda!